Reflexão
Vandia Alves de Andrade
Olho no espelho. Que mulher ?esta que aparece na minha frente? Onde foi parar toda
vitalidade que eu tinha?
Sarah, não te reconheço mais!
O olhar que antes brilhava por novas conquistas, agora, ?contornado por rugas, que foram
chegando gradativamente e eu não percebi. O sorriso de satisfação com os elogios
recebidos, hoje, deixa as marcas do tempo mais evidentes no meu rosto. As mãos impetuosas
que te acariciavam num banho a dois ficaram engelhadas a te esperar. Meu corpo j?não
irradia aquela forma perfeita da juventude e apesar de tanta tecnologia ?disposição,
as plásticas não trazem de volta os formatos originais da concepção. As vibrações
enérgicas que me moviam num segundo, foram substituídas por gestos involuntários, que
obedecem a comandos emitidos contra minha vontade. At?os meus cabelos, ao longo do
tempo, assumiram design, tamanhos e cores diversas, pois desbotaram após tantas lavagens.
Ei?! Voc?mesma do outro lado do espelho! Não se faça de sonsa! Estou falando
com voc? Quer por favor, responder ao que pergunto?
Respirei fundo, pois a resposta para aquela pergunta, eu j?sabia e dava-me calafrios na
alma. Então depois de uma breve pausa encorajei-me.
Onde est?aquela menina que brincava de ser grande? Que vestia roupas de adulta,
pensando que isto a traria alguma maturidade?
Estava enganada, a maturidade s?veio no momento certo. E hoje enxergo esta senhora, do
outro lado do espelho, brincando de ser criança.
? Parece que o tempo passou!A imagem refletida, vista com meus olhos embaçados,
comprova que envelheci, mas não cheguei ao fim. ?bem certo que percorri caminhos
sinuosos, fui levada por ondas de desejos, desfrutei da inconseqüente adolescência, me
surpreendi com os misteriosos segredos da paixão, viajei por estradas de pedras coloridas
e outras em completo abandono, visitei casas de sap?e palácios grandiosos, tive muitos
momentos tristes e em outros tantos fui feliz. Não passei pela vida.
Não! Isso ?muito simplório para mulheres como eu.
Vivi intensamente todos os meus momentos e, principalmente, decidi ao qual me entregaria
veementemente. Casei, amei, tra? errei, me decepcionei, menti, sofri, trabalhei, tive
filhos, não necessariamente nesta ordem, me desdobrei. Representei várias mulheres sendo
única, fui atriz principal e muitas vezes coadjuvante de minha própria existência.
Enfrentei com coragem os percalços impostos pela minha geração, mesmo quando a
sociedade defendia a obediência feminina. Fui além da mulher balzaquiana, onde a jovem
encantadora, Júlia, reprimiu todos os seus anseios em prol de um casamento arranjado e
infeliz, expressada na obra: Mulher de trinta anos, do escritor francês Honor?de
Balzac, embora escrita no século XIX, ainda retrata a realidade de muitas mulheres, com
seus relacionamentos desgastados. Mas como j?disse:
Não cheguei ao fim.
Entrei na era sexagenária, com outros princípios, outros valores, mais espiritualizada e
se pudesse voltar no tempo, s?faria uma coisa diferente:
Te amaria mais.
O egoísmo entranhado no meu ser vendou-me os olhos. Escolhi um relacionamento mais
sólido, onde eu pudesse controlar a situação, sem me envolver profundamente. Tive medo
de me apaixonar e perder a lucidez, a razão. Fui insensível, tive receio de confiar nos
seus sentimentos. Desfrutar de toda felicidade que voc?podia me oferecer, depois ser
abandonada e ficar s?
Solidão! Ah! Esse foi o maior medo, durante minha vida.
Logo voc? meu verdadeiro amor, a quem eu sempre amei, no entanto nunca tive coragem de
me declarar.
Me pergunto at?hoje, como pude fazer isso conosco? Como pude deixar a felicidade
escapar por entre meus dedos?
E, sem dúvidas, esse foi meu grande erro, não me entregar, por inteira, a voc? E hoje,
depois deste convite inesperado, vamos nos encontrar novamente. Esta foi a única certeza
que tive neste tempo que passou: nunca perdi a esperança de me redimir e te conquistar
outra vez.
Me sinto uma adolescente! Com todos os sintomas da paixão correndo em minhas
veias.
Mesmo não tendo a vitalidade de antes e não podendo te dar os filhos que voc?sempre
quis, pelo menos no tempo que nos resta, serei sua e agora mais serena, mais segura, mais
madura e dona de mim!
E-mail: vandia.alves@gmail.com
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