Seqüestro-relâmpago
Luiz Vivas
No Brasil, o seqüestro-relâmpago está na moda. Na cidade de São Paulo, especialmente.
São muitos e a toda hora. Cada cidadão procura defender-se como pode. Alguns rezam,
outros inventam artifícios para despistar os bandidos. Pertenço a este último grupo...
Para não chamar a atenção dos ladrões, comprei uma Brasília antiga uma
"lata velha" e passei a dirigi-la sem preocupação. Pensava ter
encontrado a saída para livrar-me dos marginais. Afinal, uma Brasília caindo aos
pedaços não despertaria a atenção de criminoso algum. Engano meu! Fui vítima de
seqüestro-relâmpago ao estacioná-la.
Duas semanas depois, ainda traumatizado, deixei a Brasília na garagem, tirei o relógio,
o tênis importado, a camisa de linho, deixei tudo em casa. Vesti-me com uma roupa velha e
fui caminhando em direção ao banco. Fica a três quadras de minha residência. Além do
cartão bancário, levava apenas coragem...
Nada adiantou. Ao alcançar o segundo quarteirão fui apanhado:
É um seqüestro-relâmpago anunciou um dos bandidos, apontando-me uma arma
de fogo, enquanto pessoas passavam por nós na calçada sem dar a menor importância ao
fato.
O outro marginal ainda completou:
Você é o quarto otário, hoje, mano sendo imediatamente repreendido pelo
comparsa. É claro, não me precisava dizer que, naquele mesmo dia, tinham feito o mesmo
com três outros infelizes.
Medo? Não tive! Estou ficando acostumado... Puseram-me dentro de um carro
possivelmente roubado e quase não gastaram gasolina. O banco era no quarteirão
seguinte. Dei a senha e o cartão para um deles, que caminhou em direção à
instituição bancária, enquanto o outro permanecia no assento de trás do veículo.
Tinha o revólver na cintura, sob a camisa. Sem dúvida não queria chamar a atenção
exibindo a arma e, além disso, percebeu que eu não tinha como reagir, obrigado que
estava a não mais olhar para trás sob pena de ser fuzilado ali mesmo.
Tudo corria como de costume, quando aconteceu o inesperado: fomos vítimas de dois outros
bandidos! Chegaram furtivamente armados, um de cada lado do automóvel, anunciando o
assalto quase ao mesmo tempo:
Manos, quem se mexer, leva chumbo!
O criminoso sentado no assento de trás do veículo, tomou um susto. Parecia alguém
prestes a desmaiar. Pálido, tremia. Não me contive: comecei a rir! Não conseguia
parar... Só fui convencido a fazê-lo quando um cano de revólver encostou na minha
cabeça:
Ô meu, senão parar de rir eu aperto o gatilho. O jeito foi conter o riso.
Os dois bandidos, digamos, concorrentes dos primeiros, entraram no veículo no banco de
trás, um de cada lado. Todos naquele banco estavam armados com revólveres. Certamente
sairia um tiroteio logo, porque, na primeira oportunidade, o que ficara no meio, tentaria
atirar nos seus oponentes. Eu não queria tiros. Então falei, apontando para o meliante
do meio:
Ele está armado!
Prontamente, desarmaram-no. Em seguida, os dois criminosos, armas em punho, ficaram
olhando fixamente para mim. Estavam perplexos. Um deles, com cara de idiota, chegou a
murmurar baixinho valeu, mano!
Foi quando lhes expliquei o que estava realmente acontecendo, advertindo-os de que o
comparsa do que acabara de ser por eles desarmado, viria do banco com dinheiro dentro de
poucos minutos. Então confabularam um pouco e saíram do carro, não sem antes ameaçar o
bandido desarmado que permaneceu onde estava no banco de trás.
O chefe ficou dois metros à frente do automóvel, enquanto aquele com cara de idiota
posicionara-se na traseira do veículo em posição onde não podia ser visto por quem
viesse da direção do estabelecimento bancário. Quando o bandido chegou com o dinheiro,
foi rendido e também desarmado sem opor resistência. Ameaçado, entregou aos outros dois
assaltantes toda a grana R$ 2.000,00 , ou seja, os meus R$ 500,00 e também
os R$ 500,00 de cada uma das outras três vítimas daquele dia. Na ocasião em que se
deram os fatos, aquela quantia R$ 500,00 era o limite máximo que, em um
mesmo dia, uma pessoa podia sacar de sua conta corrente através de caixas eletrônicos.
Os criminosos desarmados acabaram sendo levados pelos dois outros, agora, sob a mira de
quatro armas de fogo. Pelo que pude ouvir desses últimos, tencionavam, de início, apenas
roubar o automóvel de posse de seus concorrentes e por estes provavelmente
roubados mas aproveitaram a oportunidade para levar mais dois revólveres e algum
dinheiro.
Bem, deu-se aqui um fato curioso: o bandido que comandava as ações mandou o outro, o
cara de idiota, entregar-me a metade da minha grana por causa do que eu havia feito:
afinal, salvei suas vidas quando lhes avisei que seus concorrentes estavam armados.
O cara de idiota quis argumentar, mas o chefe disse decidido, apontando para o dinheiro:
Depressa, dá a metade dele e emendou , anda logo!
Depois de uma breve pausa, o chefe concluiu:
Ô meu, ele merece! Salvou nossa pele. É sangue bom, mano!
Embora contrariado, o cara de idiota obedeceu a ordem recebida e me entregou uma parte do
dinheiro!
Sujeito justo, o chefe! pensei com meus botões. Quer saber de uma
coisa? Simpatizei com ele!
Depois, carro cantando pneus, foram embora os quatro. Eu fiquei ali com o dinheiro nas
mãos... Era difícil acreditar naquilo! Então, caminhei alguns passos e parei. Estava
agora de costas para onde eu estivera com os bandidos no minuto anterior. Contei o
dinheiro. E só então percebi: o cara de idiota entendeu como metade, o total do dinheiro
subtraído das quatro vítimas. Quer dizer, subtraíram de minha conta bancária a quantia
de R$ 500,00 e me entregaram R$ 1.000,00! Olhando para aquela grana toda, sentei na beira
da calçada e comecei a rir! De certo modo, tinha roubado os ladrões!!!
De repente, alguém gritou enfurecido:
Ladrão! Pega o ladrão! Ficou com meu dinheiro!
Sem olhar para trás, agarrei a grana e saí correndo para casa. Tranquei portas e
janelas. Suava frio. Depois, devagar e trêmulo, olhei através da persiana da sala:
Ufa! pensei que fosse comigo! murmurei.
Não era: apenas mais um seqüestro-relâmpago.
E-Mail: luizvivas@globo.com
|