
Luiz Eudes Cruz de Andrade (1969)
nasceu paulista e se criou nordestino, ouvindo os causos e casos no balcão do armazém do
seu pai, na cidade de Arraial do Junco, que também é conhecida pelo nome de Sátiro
Dias. É um contista nato e fez a sua estréia triunfal no mundo da literatura no ano de
2002, quando arrebanhou várias premiações em alguns sites literários. Colaborador do
livro "Arraial do Junco: Crônica de Sua Existência", participante das
antologias "Livre Pensador" e "Coletânea Komedi", lançadas em São
Paulo e "Além das Palavras" e "Palavras para o Coração" publicadas
no Rio de Janeiro, é autor do livro de contos, publicado em forma de e-book, "A
Curva e a Montanha" e de "Os sabores e os Amores", publicado no Rio de
Janeiro pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores. É editor do jornal cultural
"Gazeta Voz Ativa", de Sátiro Dias. |
Noite de natal
Luiz Eudes Cruz de Andrade
A tarde vai embora calma e lentamente. A noite chega soberana. O homem pára o carro na
praça. Há moças na calçada de uma casa grande. São suas primas. O homem está
acompanhado da sua filha. Uma das moças os convida a entrar. E eles entram por um
corredor. A moça abre a porta da sala ao lado. Um mundo encantado surge num momento
mágico: é o presépio de Dona Sinhá que há muitos natais faz brilhar de encantamento
os olhos das crianças.
Dona Sinhá foi quem criou aquele espetáculo para animar as noites de Natal de Paraíso.
Hoje ela arma lapinhas com os anjos e santos no céu. Um céu sempre azul e iluminado. Ela
está lá e de cima observa crianças que todas as noites de dezembro visitam a sua casa
e, atentas, observam o músico anunciando por seu tambor a chegada de Papai Noel, que sobe
a escada e dança twist. No presépio há um convívio fraternal do animado gorila com o
pacato burrinho, do cantante pássaro azul com as silenciosas borboletas, dos peixes e
cobras que, de longe, miram os animais sagrados: a vaca e a ovelha, o galo e o jumento.
É noite de Natal e no centro de tudo está a representação do nascimento de Cristo.
Dona Sinhá montava o presépio seguindo uma tradição iniciada por São Francisco no
século XIII. Quando ela partiu ao encontro com Deus, suas filhas e colaboradoras
resolveram homenageá-la colocando uma foto sua na parede da sala e dando seguimento ao
seu projeto, sabendo que lá no alto ela iria montar um novo presépio, com anjos e santos
de verdade, tendo o Menino Jesus Cristo ao vivo e em cores.
A menina e seu pai estavam encantados com tudo aquilo. O homem lembrava de antigos natais
quando vinha com os seus amigos e ali ficavam horas a contemplar, alegrando-se com tudo. A
menina também se sentia assim. A sala logo foi invadida por uma pequena multidão de
curiosos. As crianças chegavam e logo atrás vinham os seus pais que também queriam
participar da festa. O homem lembrava de quando ia aos grotões dos Pilões buscar ramas
de barba de velho, catava pedrinhas nas barrancas do açude, cessava areia da velha praça
empoeirada e apanhava barro tauá no barrocão do Junco para fazer as imagens que
enfeitavam a lapinha de uma das suas irmãs.
E como era bonito tudo aquilo. E o homem, naquela noite, pensava nos meninos andarilhos
pelos caminhos das roças iluminados pela beleza cósmica da Lua protegidos por São
Jorge, o Santo Guerreiro. Aqueles meninos talvez não conhecessem o presépio de Dona
Sinhá, talvez nem soubessem o que é um presépio, mas o que lhe confortava era saber que
a lua nasce para todos, não importa onde esteja e, quando a noite termina, momentos e
palavras se eternizam.
E-mail: luizecruz@ig.com.br
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