Aflerção
Laura Prado de Assis
Oi, quero uma caixa.
Uma caixa de que tipo?
Ah, não sei. Uma assim.
Que cor?
Ah, pode ser qualquer uma. Não, espera. Tem branco?
Tem, claro. Tem branco, azul, bege, lilás, vermelho, rosa e preto.
Preto? Alguém compra caixa preta?
Algumas pessoas compram.
Mas, pensa, pra quê serve?
Olha, não sei. Talvez para dar presente pra homem. Embalagem de presente de homem
é sempre preta.
É, verdade. Sempre que eu ganho perfume, a caixa é preta.
Tá vendo? Vai levar a branca então?
Na verdade, agora estou em dúvida. Por que eu queria passar uma fita em volta da
caixa. Você acha que vermelho e branco fica bem?
É pra menina ou menino?
É pra minha mulher...
Ah, então fica. O branco lembra pureza e amor infinito. O vermelho lembra paixão.
Combina bem.
Nossa, você entende dessas coisas, hein?
É, eu fiz um curso de psicologia das cores. Uma coisa maravilhosa.
Mesmo? Que louco... e o que representa o verde?
Ahn, bem, eu não... ah, o verde é dinheiro. Atrai fortuna.
Mas isso já não é crendice, que nem cueca amarela no Ano Novo?
Não, não. Faz parte da psicologia das cores. Juro.
Ok... bem, então, você acha melhor caixinha vermelha com fita branca ou o
contrário?
Faz assim: pega a caixinha rosa e passa fita vermelha e branca, uma sobre a outra.
Fica bárbaro.
Nossa, faz anos que eu não ouço ninguém dizer "bárbaro".
É, eu moro com minha avó e ela vive usando umas expressões engraçadas. Acho que
acabei pegando.
Eu sei como é. Eu outro dia me peguei falando "cáspita", por causa de
um colega de trabalho que deve estar passando dos sessenta e trá lá lá.
Passadinho o moço. Você faz o quê?
Sou contador.
E tão novinho já está casado?
Sabe como é... eu engravidei ela e aí, foi. Casamos. Mas tudo bem. Não odeio
ela. Ainda.
Mas e o filho, já nasceu?
Na verdade, morreu no parto. Foi uma tristeza pra toda a família.
Puxa, que pena. Meus pêsames. Deve ser dureza.
Nem me fale. Foi uma época horrorosa da minha vida. Posso ver a fita rosa?
Claro. Tome. Mas e agora, vocês estão juntos, sem o filho. Por que ainda estão
casados?
Depois de todo o drama, fiquei meio que sem jeito de largar ela. E a gente se trata
meio que como colega de quarto hoje. A gente divide o aluguel, racha a comida, e tal. Mas
ela não cozinha pra mim, nem nada.
Mesmo? Que coisa! Mas como não cozinha?
È que ela também trabalha. Não ia obrigar a cozinhar. A gente tem empregada.
Ah, sendo assim...
Essa fita até que é legal. Mas não é meio brega um homem carregando um pacote
de fita rosa na rua?
Ah, deixa disso. Um homem assim que nem você, ninguém ia achar nada...
Você ia achar ridículo?
Que isso. Ia achar o máximo. Se fosse eu no lugar dela, ai, ia adorar.
Dá umas indiretas pro seu namorado...
Que namorado? Eu não tenho.
Mas como não? Oras, então é por que não quer.
Não falta vontade. Falta é mão-de-obra no mercado. É cada traste que me
aparece.
Tem muito canalha sim. Mas sempre tem os bonzinhos também.
É? Onde? Me conta que eu não tou sabendo... Ah! Tenta com a fita lilás na caixa
branca. Acho que fica delicado.
Você tem bom gosto. Mas acho que minha mulher nem ia notar. Ela nem liga pra essas
coisas de embalagem.
Que absurdo. E você, tão atencioso, se desperdiçando assim.
Às vezes eu penso assim, mas acho que é presunção minha.
Que presunção que nada, viu. O que tem de mulher procurando alguém meigo assim,
não tá no mapa.
Puxa, fico mais feliz de saber que a culpa não é minha.
Você é um homem decente, só isso.
Você acha mesmo?
Claro, imagina. Conto nos dedos as vezes em que vi algum homem entrar aqui
preocupado assim com o presente da namorada.
Nossa, fico lisonjeado.
E, aí, qual fita vai levar? E a caixa?
É, eu estava pensando... acho que nem vale a pena. Você quer sair comigo?
Mas você tem mulher... acho errado.
É, mas eu ia terminar com ela mesmo. Não está mais funcionando, sabe? Essa coisa
de viver como amigos não é pra mim. Quero alguém que goste de mim e que eu goste. E,
sei lá, senti uma conexão com você.
Mas e o presente dela?
Ah, toma, fica pra você.
Brigada, sempre adorei chocolate!
Nossa, parece até que eu adivinhei.
Você é uma graça.
Você é duas.
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