Um estranho ser
J. Machado
Atravessa a praça a passos lentos sem se importar com os olhares, com as palavras que
não entende, mas que são ditas: mal ditas ou bem ditas. Não tem tempo para ouvir
palavras. O dia está imensamente cinza tal qual o aglomerado de edifícios, apesar do sol
de outono. Entra no calçadão e vai direto ao rio. Agora já lhe seguem: homens,
mulheres, meninos, o engraxate, a moça do pastelzinho cinco por um
real , o guarda barrigudo que não saía da frente da loja, a velhinha da loja
de 1, 99, todos querem vê-la. Muda de direção. Sobe a ladeira que vai ao morro, o qual
tem uma santa no cume. Há uma multidão, até a polícia já a acompanha de longe
tentando conter os ânimos dos que a seguem, fez-se um tumulto. Ela pára e a multidão
também. Olha a todos, mas não se intimida e segue novamente. Acentua mais ainda seu
rebolado, o que deixa o povo ainda mais eufórico. Há muita gente fotografando, imprensa
ou curiosos, mas ela não liga. Muda de novo o trajeto. Desiste de subir o morro e entra
à direita numa rua que vai à lagoa. Agora anda com mais rapidez, mais, mais, e corre. A
multidão também. Pessoas caem, mas levantam e continuam correndo atrás dela. Aonde vai?
O que vai fazer? Na orla, pára. O sol está quase caindo. As pessoas não se aproximam,
são impedidas pelas autoridades. De longe observam seu corpo delicioso, agora brilhando
com os últimos raios de sol. Ela olha novamente a multidão. Parece triste, assustada,
ausente de tudo que lhe cerca. A lagoa a convida. Alguém lhe diz adeus com água na boca.
Ela não liga e graciosamente entra na água, como se fosse a sua casa. A multidão
conversa e retorna cada qual pro seu lugar. A vida segue.
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