Seja eu de quem for
Carlos Miguel Leite
Serei eu a chama que arde em ti ou por acaso já se apagou o fogo que deixei de ver nos
teus olhos.
Serás tu a minha alma gémea ou incendiou-se o rastilho de paixão que me cega.
Louca esta visão que me surge no horizonte: o sol que se põe, a noite que desliza por
entre nós, o cheiro do mar, a flor que nos faz falta, o perfume que nos une.
Ando à procura de um ideal para que amanhã seja um ideólogo, um fantasma ou um
psicólogo, alguém por quem possam chamar. Por isso quero ser alguém, quero ser de
alguém e, sem saber bem porquê, entrego-me sem ver a quem, pois é a forma mais fácil
de fugir.
Preencho a espaços aquilo que me falta entender. Em cada passo em falso que dou descubro
algo mais e encho a minha já vasta colecção de frustrações. Entrego-me a quem quer
que seja mas sem nunca me deixar possuir.
Aperta-me algo por dentro, foi mais um pedaço que morreu. Volta de novo o vazio que me
pinta por fora, levanta-se o muro que chega a ser ridículo. Cubro-me de fantasias, crio
mitos e personagens, distribuo papeis por aqueles com que me deparo, elaboro
maquiavélicos obstáculos e sento-me à espera.
Espero que peguem em mim, que mandem o muro abaixo, que me prendam. Espero em vão. Troco
as voltas à vida, construo um labirinto à minha volta e perco-me. Devolvo a paz ao mundo
nas horas em que me deixo dormir para, mais tarde, voltar ainda mais insaciável.
Fecho os olhos, continuo a fugir, tropeço em mais alguém que ficou por amar, mais um
erro de percurso. Mas continuo nesta minha entrega, a quem quer que seja.
Continuo a fingir para a vida seja eu de quem for. Continuo a viver do engano e
mantenho-me fiel a esta espécie de infidelidade da qual ninguém está a salvo. Este é o
meu furacão, o meu tsunami que arrasta almas, corações e deixa um rasto terrível de
desilusões.
(Foi mantida a grafia original)
E-mail: carlosmigueltleite@hotmail.com
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