Minicontos
Cláudio Eugenio Luz
Miniambiente
Estou sem tempo, atrasado, ocupado, meio consumido, pensando se
conseguirei chegar antes que o guarda resolva travar a porta. Corro
assombrado, cortado em pedaços, esbaforido, feito uma tela
expressionista, escorrendo os pés pelos vãos da cidade. É verdade,
não estou brincando. Preciso dar conta do recado, suar a camisa,
torcer o rabo do gato pra gerir meu ganha-pão. Meu chefe não
compreenderia se eu retornasse para o escritório sem as
autenticações. Ele vive roendo as unhas, procurando um nó cego, uma
besta qualquer pra descontar suas mazelas. Veja, estou com as mãos
atadas, sem nenhuma chance de parar, atolado até o pescoço de
trabalho. Lutando para manter a cabeça no lugar. É, estou voando,
torcendo, rezando pragência estar aberta e não ser barrado na porta.
Até a noite, sou como um balão vermelho: hora após hora, caindo. Sem
tempo, sempre atrasado, ocupado, ocupadíssimo.
Sabor de Coca
Subitamente você desperta. Seu coração
está acelerado e suas mãos molhadas. Atônito, corre para recuperar o
tempo perdido. Ao sair de casa você se esquece de trancar a porta e
o seu carro não pega porque a bateria arreou. Você decide ir de
ônibus, porém a espera transforma-se numa lenta e eterna agonia. No
meio do caminho ele quebra. Com o estomago na boca e a boca com
gosto de cerveja, decide ir a pé. Ao chegar no escritório, cansado,
suado e descabelado, você nota que seus colegas lhe olham com
estranheza, abismados com a sua presença naquele local. Você pensa
que é porque está atrasado. Quando chega em seu canto,o mesmo canto,
aquele mesmo canto onde você, hora após hora, planejou a
aposentadoria, as viagens, os filhos que teria com a mulher que
nunca teve, naquele mesmo canto que supostamente sempre imaginou ser
o seu canto, ao invés de encontrar tudo em seu devido lugar,
depara-se com um estranho. Ele, perplexo, olha para você e
hipocritamente lhe diz: Bom dia.
Um Encontro
Os olhos se tocaram ásperos naquele
final de tarde modorrento, sem vírgulas ou ponto final. Ele não
procurava nada. Ela apenas sonhava. Rapidamente desenharam ávidos
traçados entre expressões de química e sorrisos mal disfarçados.
Parados, pareciam flutuar. Ela fingia que não via e ele fingia
conhecê-la de algum lugar. Aparentemente ínfimo a distância que os
separavam. Bastaria apenas um dedo para virar pelo avesso a terra
que teimava em girar ao contrário. Ela, rompendo a timidez,
ofereceu-lhe um beijo e depois outro e outro depois de outro, e ele,
estático, como uma fria folha de revista, recebia a dádiva em
perpetuo silêncio.
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