
Ana Cláudia Saldanha Jácomo
(1966) é carioca, formada em Jornalismo, funcionária pública, e
absolutamente enamorada, desde criança, pelo exercício de escrever. O
estilo predominante em seus textos é a prosa poética, a exemplo de
“Almas Perfumadas”, que publicou, ainda inédito na internet, no
Releituras, quando o site estava inaugurando o espaço para novos
escritores. Na década de 90, participou com contos e crônicas das
antologias "Hoje", "Agora" e "Já", resultantes do trabalho da Oficina
Literária do poeta Cairo Trindade, a qual freqüentou por cerca de um
ano. Em 2001, lançou um livro independente intitulado “Parto de Mim”,
impresso na Fábrica de Livros da SENAI, com duas tiragens já esgotadas.
Apaixonada por música, desde sempre, no finalzinho de 2006 começou
também a percorrer o caminho da composição musical. Gosta de dizer que
escrever é o seu trabalho mais lúdico. Seu jeito preferido de prece. Sua
maneira predileta de levar o coração para pegar sol. |
Almas perfumadas
Ana Cláudia Saldanha Jácomo
(Para minha avó Edith)
Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta. De sol quando acorda. De flor quando
ri. Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde
grande, sem relógio e sem agenda. Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na
praça. Lambuzando o queixo de sorvete. Melando os dedos com algodão doce da cor mais
doce que tem pra escolher. O tempo é outro. E a vida fica com a cara que ela tem de
verdade, mas que a gente desaprende de ver.
Tem gente que tem cheiro de colo de Deus. De banho de mar quando a água é quente e o
céu é azul. Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que alguns são
invisíveis. Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa e trocando o salto pelo
chinelo. Sonhando a maior tolice do mundo com o gozo de quem não liga pra isso. Ao lado
delas,pode ser abril, mas parece manhã de Natal do tempo em que a gente acordava e
encontrava o presente do Papai Noel.
Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus acendeu no céu e daquelas que conseguimos
acender na Terra. Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, a gente tem
certeza. Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar feito de alegria. Recebendo um
buquê de carinhos. Abraçando um filhote de urso panda. Tocando com os olhos os olhos da
paz. Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave que sua presença sopra no nosso
coração.
Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa. Do brinquedo que a gente não largava. Do
acalanto que o silêncio canta. De passeio no jardim. Ao lado delas, a gente percebe que a
sensualidade é um perfume que vem de dentro e que a atração que realmente nos move não
passa só pelo corpo. Corre em outras veias. Pulsa em outro lugar. Ao lado delas, a gente
lembra que no instante em que rimos Deus está dançando conosco de rostinho colado. E a
gente ri grande que nem menino arteiro.
Costumo dizer que algumas almas são perfumadas, porque acredito que os sentimentos
também têm cheiro e tocam todas as coisas com os seus dedos de energia. Minha avó era
alguém assim. Ela perfumou muitas vidas com sua luz e suas cores. A minha, foi uma delas.
E o perfume era tão gostoso, tão branco, tão delicado, que ela mudou de frasco, mas ele
continua vivo no coração de tudo o que ela amou. E tudo o que eu amar vai encontrar, de
alguma forma, os vestígios desse perfume de Deus, que, numa temporada, se vestiu de
Edith, para me falar de amor.
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E-mail:
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