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Lágrimas e testosterona
Moacyr Scliar
Atenção, mulheres, está
demonstrado pela ciência: chorar e golpe baixo. As lágrimas
femininas liberam substâncias, descobriram os cientistas, que
abaixam na hora o nível de testosterona do homem que estiverem por
perto, deixando o sujeito menos agressivos. Os cientistas queriam ter certeza
de que isso acontece em função de alguma molécula liberada — e
não, digamos, pela cara de sofrimento feminina, com sua reputação
de derrubar até o mais insensível dos durões. Por isso, evitaram
que os homens pudessem ver as mulheres chorando. Os cientistas
molharam pequenos pedaços de papel em lágrimas de mulher e
deixaram que fossem cheirados pelos homens. O contato com as lágrimas fez a
concentração da testosterona deles cair quase 15%, em certo
sentido deixando-os menos machões.
(Publicado no caderno Ciência, 7 de Janeiro de 2011)
Ele vivia furioso com a mulher. Por,
achava ele, boas razões. Ela era relaxada com a casa, deixava
faltar comida na geladeira, não cuidava bem das crianças, gastava
de mais.
Cada vez porém, que queria repreendê-la por urna dessas coisas,
ela começava a chorar. E aí, pronto: ele simplesmente perdia o
ânimo, derretia. Acabava desistindo da briga, o que o deixava
furioso: afinal, se ele não chamasse a mulher à razão, quem o
faria? Mais que isso, não entendia o seu próprio comportamento. Considerava-se um cara durão, detestava gente chorona.
Por que o pranto da mulher o comovia
tanto? E comovia-o à distância, inclusive. Muitas vezes ela se
trancava no quarto para chorar sozinha, longe dele. E mesmo assim
ele se comovia de uma maneira absurda.
Foi então que leu sobre a relação
entre lágrimas de mulher e a testosterona, o hormônio masculino.
Foi urna verdadeira revelação. Fina! mente tinha uma explicação
lógica, científica, sobre o que estava acontecendo. As lágrimas
diminuíram a testosterona em seu organismo, privando-o da natural
agressividade do sexo masculino, transformando o num cordeirinho.
Uma idéia lhe ocorreu: e se tomasse
injeções de testosterona? Era o que o seu irmão mais velho fazia,
mas por carência do hormônio.
Com ele conseguiu duas ampolas do
hormônio. Seu plano era muito simples: fazer a injeção, esperar
alguns dias para que o nível da substância aumentasse em seu
organismo e então chamar a esposa à razão.
Decidido, foi à farmácia e pediu ao
encarregado que lhe aplicasse a testosterona, mentindo que depois
traria a receita. Enquanto isso era feito, ele. de repente caiu no
choro,um choro tão convulso que o homem se assustou: alguma coisa
estava acontecendo?
É que eu tenho medo de injeção, ele
disse, entre soluços. Pediu desculpas e saiu precipitadamente. Estava voltando para casa. Para a esposa e suas lágrimas.
Moacyr Scliar, que morreu
no último dia 27/02/2011, à 1h. aos 73 anos, escrevia na coluna
"Cotidiano" do jornal “Folha de São Paulo”, às segundas-feiras um
texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal. Esta é a
última coluna do médico e escritor publicada naquele espaço.
Este texto, inédito, foi enviado
pelo escritor ao jornal no dia 11/01/2011 , antes de sofrer um AVC
(acidente vascular cerebral), no dia 17/02/2011.
Tudo sobre Moacyr Scliar e sua obra em "Biografias".
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