E o Biggs estava certo
Mario Prata
Não é de hoje que admiro a esperteza de Ronald Biggs. Tudo que ele fez na vida
honesta ou desonestamente , o fez maravilhosamente. Afinal, estamos diante de um
assaltante de 50 milhões de dólares. E mais: o homem é inglês.
E agora, aos 71 anos, doente e encarcerado em uma cadeira de rodas, chegou à
brilhantíssima idéia de que é mais fácil (seguro, tranqüilo e civilizado) passar o
resto da sua vida numa prisão inglesa do que solto nas ruas do Rio de Janeiro.
Não é mesmo um gênio? Sua Majestade vai se encarregar da sua saúde e da sua garantia
de vida. Fora uns altíssimos trocados que o jornal mais do que sensacionalista The Sun,
vai lhe pagar para ele contar a sua vida.
Fora o filme que isso vai dar. Fora o Rio de Janeiro com sua mulatas maravilhosas que ele
tão bem conheceu e que vão virar estrelas internacionais.
Ao sair do Rio, neste domingo, abraçado à neta brasileira com nome europeu,
Ingrid chorou. Acho que ele estava chorando não só por deixar a neta e o filho,
mas por deixar este País que foi maravilhoso com ele. Como bandido, aqui ele era tratado
como um senador impune e impoluto.
Admiro a saída de cena de Mr. Biggs. Aos 71 anos, sentiu na própria carne que isto aqui
não é um país sério para idosos. Preferiu a cerveja inglesa, o chato fog, um cheio de
horários pub. A modorrenta BBC. A voltar a torcer pelo Chelsea.
Uma pena meu pai que morreu há 20 dias não ter assaltado um banco na
Inglaterra anos trás. Seus últimos anos de vida teriam sido bem mais interessantes.
Mesmo que encarcerado numa cidadezinha montanhosa da Inglaterra.
Sim, porque aos velhos brasileiros, só resta o cárcere da própria casa mantida com a
ajuda dos filhos, pois a aposentadoria é realmente uma piada.
A medicina faz tudo para conservar nossos pais. E o faz brilhantemente.
Mas a sociedade, não. Uma pessoa com mais de 80 anos aqui neste país não tem
absolutamente nada para fazer a não ser ficar sentado na varanda, olhando para a rua,
esperando o próprio enterro passar.
O Estado, além de uma aposentadoria que envergonha a pessoa que trabalhou durante 50 anos
pelo País, não lhe oferece absolutamente nada. O máximo que faz é deixar ele vendo
televisão ad eternum. E o velhinho fica ali, definhando, definhando. Misturando, num
mesmo horário Sérgio Mallandro e ACM.
Tudo bem, dirá você, ele não paga ônibus. Mas quem é de 80 anos que consegue entrar
e sentar num ônibus? E mais: pegar ônibus para ir aonde? Tente levar seu
avô ao campo de futebol: ele morre esmagado na entrada. Na praia não tem mais pernas
para fugir dos cachorros.
Coloque o velhinho numa fila médica... Perguntem quanto custa um plano de saúde para um
cara dessa idade. E se ele quiser fazer um seguro de vida, quem é que segura?
Tente explicar para um velhinho a forma, a fórmula e o regulamento dos nossos campeonatos
de futebol. Tente. Como é que ele vai entender que gols fora valem em dobro, aqui no
Brasil? E que não tem mais returno?
Tente explicar para ele que senador não pode ser preso? Principalmente o presidente do
Senado. Mais fácil: tente explicar que 100 reais não são 100 contos, nem muito menos
100 cruzados novos. Tente.
Mas tente, você que é filho, neto ou bisneto de um deles. Porque você pode ter certeza
que só a família tem algum carinho e respeito por ele. O Estado quer mais é que ele
morra.
Sábio foi o Biggs, repito. Preferiu a masmorra inglesa à pachorrenta e inútil vida dos
nossos pais e do nosso País.
Me desculpem os mais jovens pelo desabafo, mas é que eu estou achando que eu já deveria
ter assaltado um trem pagador. Na Inglaterra, é claro.
Quando eu morrer, não me enterrem na Lapinha. Quando eu morrer, me enterrem em Liverpool.
Esta crônica foi publicada logo após a saída de Ronald Biggs do Brasil, no jornal
"O Estado de São Paulo", edição do dia 09 de maio de 2001.
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