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Luiz Carlos Maciel
Foto de Paulo A. A.Teixeira
Flor do Leblon - Rio/2002
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texto
Os prazeres da psicanálise
Luiz
Carlos Maciel
(Cenário: bar movimentado, da moda, de preferência em Ipanema. Garçons lentos e
displicentes. Os dois personagens, ELE e ELA, depois das dificuldades presumíveis que
podem ser inventadas pelo diretor, conseguem uma mesa. Esperam duas horas por um garçom
que já passou por eles no mínimo duzentas vezes e o diálogo se inicia).
ELE O que é que você quer? Chope?
ELA Por quê deveria querer chope? Pedir chope aqui é um tanto compulsivo. Você
não pede chope por uma escolha livre: é uma compulsão. Coisa típica da neurose
obsessiva. Você sabe muito bem que não é meu caso, querido.
ELE Está bem. Você já passou duas horas com seu psicanalista, hoje. Será que
não pode mudar de assunto?
ELA Fique sabendo que o auto-conhecimento é o começo da cura. Depois, não tenho
pressa em beber nada. Não sofro de nenhuma regressão à fase oral, como você.
ELE Regressão a quê? Que diabo é isso? Não estou sentindo nada!
ELA Está, sim. Está.
ELE Claro que não.
ELA Claro que está. Você é que não sabe.
ELE Ué, não estou sentindo nada!
ELA Pior. Muito pior. Não sente por causa de seus mecanismos de defesa. Você
nunca ouviu falar de couraça caracterológica?
ELE Nunca. O que é isso?
ELA É uma pena.
ELE Por quê?
ELA Você está doente, meu amor. Muito doente.
ELE (um tanto alarmado) Não!
ELA (com firmeza) Doente, sim. Muito doente. Por que você não vai ao Dr. Hauser?
Posso marcar hora para você, amanhã.
ELE E quem é o Dr. Hauser?
ELA Você está cansado de saber quem é o Dr. Hauser. Pergunta por causa de outro
mecanismo de defesa. Seu caso está me parecendo mais grave do que eu pensava.
ELE Está bem. Mas quem é ele.
ELA Meu analista, é claro. Você vai gostar muito dele, querido. É um homem
maravilhoso. Bonito, inteligente, culto, atlético, divino. Se eu já não estivesse no
meu quinto ano de análise, poderia pensar até que é um semideus. Mas não. Já sei que
é um ser humano como qualquer outro, sujeito aos mesmos erros e defeitos. Ele mesmo fez
questão de deixar isso bem claro. Não é genial?
ELE O que é genial?
ELA Ora, o próprio Dr. Hauser dizer que é um ser humano. Só um homem divino
diria isso.
ELE Eu também reconheço que sou apenas um ser humano.
ELA Mas você não é o Dr. Hauser. Não desanime nas primeiras sessões. suas
resistências serão muito fortes, entende? Isso também aconteceu comigo, no começo. Mas
o Dr. Hauser é um mestre no manejo da transferência e, depois de algum tempo, você vai
sentirse outra pessoa.
ELE Mas eu não quero me sentir outra pessoa.
ELA Coitadinho de você, meu bem. Num instante o Dr. Hauser vai convencer você de
que você quer ser outra pessoa. Claro que quer.
ELE Mas que outra pessoa, meu Deus?
ELA Uma pessoa mais livre, mais independente. Sem essa dependência neurótica que
você tem de mim, por exemplo.
ELE (esmagado) E eu tenho dependência neurótica de você?
ELA Claro. Qualquer pessoa com experiência de análise percebe isso logo de cara.
ELE Você está quase me convencendo.
ELA Tem uma fixação oral, também. E é um obsessivo-compulsivo típico. Já
reparou essa mania por ordem e limpeza que você tem? Já? Aposto que não. Você não
repara nada porque seu mecanismo repressivo tomou a forma da inversão. Você se acredita
sadio quando está horrivelmente, miseravelmente, talvez até irrecuperavelmente doente.
ELE (totalmente aterrado) Puxa! Acho que preciso beber alguma coisa. Posso pedir um
chope?
ELA Claro. Peça um para mim, também.
Luiz Carlos Maciel nasceu em Porto Alegre (RS), no dia 15 de março de 1938. Aos 17
anos, ingressou na Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul, onde
tornou-se Bacharel em Filosofia, em 1958. Fez teatro amador e dirigiu peças, enquanto
estudava. Em 1959, foi agraciado com uma bolsa de estudos na Escola de Teatro da
Universidade da Bahia. Conheceu Glauber Rocha, João Ubaldo Ribeiro, Caetano Veloso, e
outros grandes artistas da Bahia e do Brasil ainda em sua juventude. Glauber o fez ator
principal de seu curta-metragem "A Cruz na Praça". Em 1960, nova bolsa de
estudos, agora da Fundação Rockefeller para o Carnegie Institute of Technology, em
Pittsburgh, nos Estados Unidos, onde estudou direção teatral e playwriting durante
dezoito meses. Voltou a Salvador como professor da Escola de Teatro. Nesse período,
dirigiu diversas peças teatrais. Em 1964 mudou-se para o Rio de Janeiro, tendo lecionado
no Conservatório Dramático Nacional e trabalhado em jornais locais, entre eles
"Jornal do Brasil", "Última Hora", e na revista "Fatos e
Fotos".
Foi um dos fundadores do jornal "O Pasquim", em 1969, onde editava duas páginas
dedicadas ao Underground atividade que lhe valeu apelidos como o de "guru da
contracultura" e outros mais. Foi autor de roteiros e diretor de cinema. Em 1970,
juntamente com a maior parte da equipe do "Pasquim", foi preso pelas autoridades
militares da época e passou dois meses trancafiado na Vila Militar, no Rio. Editou o
semanário contra-cultural "Flor do Mal" e foi diretor de redação do
semanário "Rolling Stone". Durante 20 anos trabalhou na TV Globo, exercendo
funções de roteirista, redator, membro de grupos de criação de programas e de analista
e orientador de roteiros. Em 1979, colaborou no semanário "Enfim" e no ano
seguinte na revista "Careta", editados por Tarso de Castro. Dirigiu, em 1984, o
show musical "Baby Gal", com a cantora Gal Costa, e a peça de Millôr Fernandes
"Flávia, Cabeça, Tronco e Membros". No ano de 1987 volta a lecionar,
principalmente cursos de roteiro, no Rio, e participa de conferências pelo Brasil. Em
1991, dirige "Boca Molhada de Paixão Calada" e "Brida", de Leilah
Assumpção e Paulo Coelho, respectivamente. Em 1998, seu roteiro para um filme longa
metragem "Dolores" foi agraciado com premio concedido pelo Ministério da
Cultura.
Livros: "Samuel Beckett e a Solidão Humana"; "Sartre, Vida e Obra";
"Nova Consciência"; "Negócio Seguinte"; "Anos 60";
"Eles e Eu Memórias de Ronaldo Bôscoli" (com Ângela Chaves),
"Geração em Transe, Memórias do Tempo do Tropicalismo", "Dorinha Duval,
Em Busca da Luz", (com Maria Luiza Ocampo) e As quatro estações.
Texto extraído do jornal "O Pasquim", exemplar nº. 02, editado em julho de
1969, pág. 6.
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