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Anjo daltônico
Jorge de Lima
Tempo da infância, cinza de borralho,
tempo esfumado sobre vila e rio
e tumba e cal e coisas que eu não valho,
cobre isso tudo em que me denuncio.
Há também essa face que sumiu
e o espelho triste e o rei desse baralho.
Ponho as cartas na mesa. Jogo frio.
Veste esse rei um manto de espantalho.
Era daltônico o anjo que o coseu,
e se era anjo, senhores, não se sabe,
que muita coisa a um anjo se assemelha.
Esses trapos azuis, olhai, sou eu.
Se vós não os vedes, culpa não me cabe
de andar vestido em túnica vermelha.
Jorge Matheos de Lima nasceu em Alagoas, em 1893. Fez os
primeiros estudos em sua cidade, União, e depois em Maceió, no Colégio dos Irmãos
Maristas. Estudou Medicina em Salvador, transferindo-se para o Rio de Janeiro, onde
defendeu tese sobre os serviços de higiene na capital federal. Ainda estudante de
Medicina, publicou seu primeiro livro, XIV Alexandrinos (1914). Após ter se formado,
retornou a Maceió. Sem jamais ter abandonado a Medicina, lecionou na Escola Normal
Estadual da cidade, chegando a ser diretor. Ocupou outros cargos públicos estaduais, como
Diretor-Geral da Instrução Pública e Saúde e Deputado, além de manter constante seu
interesse pelas artes plásticas.
Em 1930, transfere-se, definitivamente, para o Rio de Janeiro, onde clinica e leciona
Literatura Brasileira, nas Universidades do Brasil e do Distrito Federal. Em 1925 foi
eleito vereador, ocupando, três anos mais tarde, a presidência da Câmara, no Rio de
Janeiro.
Assinalou a polimórfica trajetória com muitos e sucessivos rótulos estéticos:
modernista, regionalista, nativista, cantor da poesia negra e do folclore,
neo-simbolista, místico-realista, poeta cristão. ·
Sua obra mais conhecida, "Essa negra Fulô", foi publicada em seu livro
"Novos Poemas".
Faleceu, no Rio de Janeiro, em 1953.
PRINCIPAIS OBRAS
Poesia
XIV Alexandrinos (1914); O Mundo do Menino Impossível (1925); Poemas (1927); Novos Poemas
(1929); Poemas Escolhidos (1932); Tempo e Eternidade (1935) - em colaboração com Murilo
Mendes; A Túnica Inconsútil (1938); Poemas Negros (1947); Livro de Sonetos (1949); Obra
Poética (1950) - inclui produção anterior, juntamente com Anunciação e Encontro de
Mira-Celi; Invenção de Orfeu (1952); Castro Alves - Vidinha (1952).
Romances
Salomão e as Mulheres (1927); O Anjo (1934); Calunga (1935); A Mulher Obscura (1939);
Guerra dentro do Beco (1950).
Ensaios, história, biografias
A Comédia dos Erros (1923); Dois Ensaios (1929) [Proust e Todos Cantam sua Terra];
Anchieta (1934); Rassenbildung und Rassenpolitik in Brasilien (1934); História da Terra e
da Humanidade (1944); Vida de São Francisco de Assis (1944); D. Vital (1945); Vida de
Santo Antonio (1947).
Os versos acima foram extraídos do livro "Humor e Humorismo", Editora
Brasiliense - São Paulo, 1961, pág. 206, organizada por Idel Becker.
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