João Guimarães Rosa
"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens."

João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG) a 27 de junho de 1908 e era o
primeiro dos seis filhos de D. Francisca (Chiquitinha) Guimarães Rosa e de Florduardo
Pinto Rosa, mais conhecido por "seu Fulô" comerciante, juiz-de-paz, caçador de
onças e contador de estórias.
Joãozito, como era
chamado, com menos de 7 anos começou a estudar francês sozinho, por conta própria.
Somente com a chegada do Frei Canísio Zoetmulder, frade franciscano holandês, em março
de 1917, pode iniciar-se no holandês e prosseguir os estudos de francês, agora sob
a supervisão daquele frade.
Terminou o curso primário no Grupo
Escolar Afonso Pena; em Belo Horizonte, para onde se mudara, antes dos 9 anos, para
morar com os avós. Em Cordisburgo fora aluno da Escola Mestre Candinho. Iniciou o
curso secundário no Colégio Santo Antônio, em São João del Rei, onde permaneceu por
pouco tempo, em regime de internato, visto não ter conseguido adaptar-se não
suportava a comida.
De volta a Belo Horizonte matricula-se no
Colégio Arnaldo, de padres alemães e, imediatamente, iniciou o estudo do alemão,
que aprendeu em pouco tempo. Era um poliglota, conforme um dia disse a uma prima,
estudante, que fora entrevistá-lo:
Falo: português, alemão, francês,
inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e
grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a
gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do
hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a
respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras
línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente,
porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.
Em 1925, matricula-se na então
denominada Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, com apenas 16 anos.
Segundo um colega de turma, Dr. Ismael de Faria, no velório de um estudante vitimado pela
febre amarela, em 1926, teria Guimarães Rosa dito a famosa frase: "As
pessoas não morrem, ficam encantadas", que seria repetida 41 anos depois por
ocasião de sua posse na Academia Brasileira de Letras.
Sua estréia nas letras se deu em 1929,
ainda como estudante. Escreveu quatro contos: Caçador de camurças, Chronos Kai Anagke
(título grego, significando Tempo e Destino), O mistério de Highmore Hall
e Makiné para um concurso promovido pela revista O Cruzeiro. Todos os
contos foram premiados e publicados com ilustrações em 1929-1930, alcançando o autor
seu objetivo, que era o de ganhar a recompensa nada desprezível de cem contos de réis.
Chegou a confessar, depois, que nessa época escrevia friamente, sem paixão, preso
a modelos alheios.
Em 27 de junho de 1930, ao completar 22
anos, casa-se com Lígia Cabral Penna, então com apenas 16 anos, que lhe dá duas filhas:
Vilma e Agnes. Dura pouco seu primeiro casamento, desfazendo-se uns poucos anos
depois. Ainda em 1930, forma-se em Medicina, tendo sido o orador da turma, escolhido por
aclamação pelos 35 colegas.
Guimarães Rosa vai exercer a
profissão em Itaguara, pequena cidade que pertencia ao município de Itaúna (MG), onde
permanece cerca de dois anos. Relaciona-se com a comunidade, até mesmo com raizeiros
e receitadores, reconhecendo sua importância no atendimento aos pobres e marginalizados,
a ponto de se tornar grande amigo de um deles, de nome Manoel Rodrigues de Carvalho, mais
conhecido por "seu Nequinha", que morava num grotão enfurnado entre morros, num
lugar conhecido por Sarandi.
Espírita, "Seu
Nequinha" parece ter sido o inspirador da figura do Compadre meu Quelemém,
espécie de oráculo sertanejo, personagem de Grande Sertão: Veredas.
Diante de sua incapacidade de por fim às
dores e aos males do mundo numa cidade que não tinha nem energia elétrica, segundo
depoimento de sua filha Vilma, o autor, sensível como era, acaba por afastar-se da
Medicina. Contribuiu também para isso o fato de o escritor ter que assistir o parto de
sua mulher, pois o farmacêutico e o médico da cidade vizinha de Itaúna só terem
chegado quando Vilma já havia nascido.
Guimarães Rosa, durante a
Revolução Constitucionalista de 1932, trabalha como voluntário na Força Pública.
Posteriormente, efetiva-se, por concurso. Em 1933, vai para Barbacena na qualidade
de Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria. Segundo depoimento de Mário Palmério,
em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, o quartel pouco exigia de
Guimarães Rosa "quase que somente a revista médica rotineira, sem mais as
dificultosas viagens a cavalo que eram o pão nosso da clínica em Itaguara, e solenidade
ou outra, em dia cívico, quando o escolhiam para orador da corporação". Assim,
sobrava-lhe tempo para dedicar-se com maior afinco ao estudo de idiomas estrangeiros;
ademais, no convívio com velhos milicianos e nas demoradas pesquisas que fazia nos
arquivos do quartel, o escritor teria obtido valiosas informações sobre o jaguncismo
barranqueiro que até por volta de 1930 existiu na região do Rio São Francisco.
Um amigo do escritor, impressionado com
sua cultura e erudição, e, particularmente, com seu notável conhecimento de línguas
estrangeiras, lembrou-lhe a possibilidade de prestar concurso para o Itamarati,
conseguindo entusiasmá-lo. O então Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria, após
alguns preparativos, seguiu para o Rio de Janeiro onde prestou concurso para o Ministério
do Exterior, obtendo o segundo lugar. Por essa ocasião, aliás, já era por demais
evidente sua falta de "vocação" para o exercício da Medicina, conforme ele
próprio confidenciou a seu colega Dr. Pedro Moreira Barbosa, em carta datada de 20 de
março de 1934:
Não nasci para isso, penso. Não é
esta, digo como dizia Don Juan, sempre 'après avoir couché avec... Primeiramente,
repugna-me qualquer trabalho material só posso agir satisfeito no terreno das teorias,
dos textos, do raciocínio puro, dos subjetivismos. Sou um jogador de xadrez nunca pude,
por exemplo, com o bilhar ou com o futebol.
Antes que os anos 30 terminem, ele
participa de outros dois concursos literários. Em 1936, a coletânea de poemas Magma
recebe o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras. Um ano depois, sob o
pseudônimo de "Viator", concorre ao prêmio HUMBERTO DE CAMPOS, com o
volume intitulado Contos, que em 46, após uma revisão do autor, se transformaria em Sagarana,
obra que lhe rendeu vários prêmios e o reconhecimento como um dos mais importantes
livros surgidos no Brasil contemporâneo. Os contos de Sagarana apresentam a
paisagem mineira em toda a sua beleza selvagem, a vida das fazendas, dos vaqueiros e
criadores de gado, mundo que Rosa habitara em sua infância e adolescência. Neste livro,
o autor já transpõe a linguagem rica e pitoresca do povo, registra regionalismos, muitos
deles jamais escritos na literatura brasileira.
Em 1938, Guimarães Rosa é
nomeado Cônsul Adjunto em Hamburgo, e segue para a Europa; lá fica conhecendo Aracy
Moebius de Carvalho (Ara), que viria a ser sua segunda mulher. Durante a guerra, por
várias vezes escapou da morte; ao voltar para casa, uma noite, só encontrou
escombros. A superstição e o misticismo acompanhariam o escritor por toda a vida.
Ele acreditava na força da lua, respeitava curandeiros, feiticeiros, a umbanda, a
quimbanda e o kardecismo. Dizia que pessoas, casas e cidades possuíam fluidos positivos e
negativos, que influíam nas emoções, nos sentimentos e na saúde de seres humanos e
animais. Aconselhava os filhos a terem cautela e a fugirem de qualquer pessoa ou lugar que
lhes causasse algum tipo de mal estar.
Embora consciente dos perigos que
enfrentava, protegeu e facilitou a fuga de judeus perseguidos pelo Nazismo; nessa empresa,
contou com a ajuda da mulher, D. Aracy. Em reconhecimento a essa atitude, o diplomata e
sua mulher foram homenageados em Israel, em abril de 1985, com a mais alta distinção que
os judeus prestam a estrangeiros: o nome do casal foi dado a um bosque que fica ao longo
das encostas que dão acesso a Jerusalém.
Foi a forma encontrada pelo governo
israelense para expressar sua gratidão àqueles que se arriscaram para salvar judeus
perseguidos pelo Nazismo por ocasião da 2ª Guerra Mundial. Segundo D. Aracy, que
compareceu a Israel por ocasião da homenagem, seu marido sempre se absteve de comentar o
assunto já que tinha muito pudor de falar de si mesmo. Apenas dizia: "Se eu não
lhes der o visto, vão acabar morrendo; e aí vou ter um peso em minha consciência."
Em 1942, quando o Brasil rompe com a
Alemanha, Guimarães Rosa é internado em Baden-Baden, juntamente com outros
compatriotas, entre os quais se encontrava o pintor pernambucano Cícero Dias, Ficam
retidos durante 4 meses e são libertados em troca de diplomatas alemães. Retornando ao
Brasil, após rápida passagem pelo Rio de Janeiro, o escritor segue para Bogotá, como
Secretário da Embaixada, lá permanecendo até 1944. Sua estada na capital colombiana,
fundada em 1538 e situada a uma altitude de 2.600 m, inspirou-lhe o conto Páramo,
de cunho autobiográfico, que faz parte do livro póstumo Estas Estórias. O conto
se refere à experiência de "morte parcial" vivida pelo protagonista
(provavelmente o próprio autor), experiência essa induzida pela solidão, pela saudade
dos seus, pelo frio, pela umidade e particularmente pela asfixia resultante da rarefação
do ar (soroche o mal das alturas).
Em dezembro de 1945 o escritor retornou
ao Brasil depois de longa ausência. Dirigiu-se, inicialmente, à Fazenda Três Barras, em
Paraopeba, berço da família Guimarães, então pertencente a seu amigo Dr. Pedro Barbosa
e, depois, a cavalo, rumou para Cordisburgo, onde se hospedou no tradicional Argentina
Hotel, mais conhecido por Hotel da Nhatina.
Em 1946, Guimarães Rosa é
nomeado chefe-de-gabinete do ministro João Neves da Fontoura e vai a Paris como membro da
delegação à Conferência de Paz.
Em 1948, o escritor está novamente em
Bogotá como Secretário-Geral da delegação brasileira à IX Conferência
Inter-Americana; durante a realização do evento ocorre o assassinato político do
prestigioso líder popular Jorge Eliécer Gaitán, fundador do partido Unión Nacional
Izquierdista Revolucionaria, de curta mas decisiva duração.
De 1948 a 1950, o escritor encontra-se de
novo em Paris, respectivamente como 1º Secretário e Conselheiro da Embaixada. Em 1951 é
novamente nomeado Chefe de Gabinete de João Neves da Fontoura. Em 1953 torna-se Chefe da
Divisão de Orçamento e em 1958 é promovido a Ministro de Primeira Classe (cargo
correspondente a Embaixador).
Guimarães Rosa retorna ao Brasil
em 1951. No ano seguinte, faz uma excursão ao Mato Grosso. O resultado é uma reportagem
poética: Com o vaqueiro Mariano. Segundo depoimento do próprio
Manuel Narde, vulgo Manuelzão, falecido em 5 de maio de 1997, protagonista da novela Uma
estória de amor, incluída no volume Manuelzão e Miguilim, durante os dias
que passou no sertão, Guimarães Rosa pedia notícia de tudo e tudo anotava "ele
perguntava mais que padre" , tendo consumido "mais de 50 cadernos
de espiral, daqueles grandes", com anotações sobre a flora, a fauna e a gente
sertaneja usos, costumes, crenças, linguagem, superstições, versos, anedotas,
canções, casos, estórias...
Em ensaio crítico sobre Corpo de
Baile, o professor Ivan Teixeira afirma que o livro talvez seja o mais enigmático da
literatura brasileira. As novelas que o compõem formam um sofisticado conjunto de
logogrifos, em que a charada é alçada à condição de revelação poética ou
experimento metafísico. Na abertura do livro, intitulada Campo Geral, Guimarães
Rosa se detém na investigação da intimidade de uma família isolada no sertão,
destacando-se a figura do menino Miguelim e o seu desajuste em relação ao grupo
familiar. Campo Geral surge como uma fábula do despertar do autoconhecimento e da
apreensão do mundo exterior; e o conjunto das novelas surge como passeio cósmico pela
geografia rosiana, que retoma a idéia básica de toda a obra do escritor: o universo
está no sertão, e os homens são influenciados pelos astros.
Em 1956, no mês de janeiro, reaparece no
mercado editorial com as novelas Corpo de Baile, onde continua a experiência
iniciada em Sagarana. A partir de o Corpo de Baile, a obra de Rosa -
autor reconhecido como o criador de uma das vertentes da moderna linha de ficção do
regionalismo brasileiro - adquire dimensões universalistas, cuja cristalização
artística é atingida em Grande Sertão: Veredas, lançado em maio de 56. O
terceiro livro de Guimarães Rosa, uma narrativa épica que se estende por 600 páginas,
focaliza numa nova dimensão, o ambiente e a gente rude do sertão mineiro. Grande
Sertão: Veredas reflete um autor de extraordinária capacidade de transmissão do seu
mundo, e foi resultado de um período de dois anos de gestação e parto. A história do
amor proibido de Riobaldo, o narrador, por Diadorim é o centro da
narrativa. Para Renard Perez, autor de um ensaio sobre Guimarães Rosa, em Grande
Sertão: Veredas, além da técnica e da linguagem surpreendentes, deve-se destacar o
poder de criação do romancista, e sua aguda análise dos conflitos psicológicos
presentes na história.
O lançamento de Grande Sertão:
Veredas causa grande impacto no cenário literário brasileiro. O livro é traduzido
para diversas línguas e seu sucesso deve-se, sobretudo, às inovações formais. Crítica
e público dividem-se entre louvores apaixonados e ataques ferozes. Torna-se um sucesso
comercial, além de receber três prêmios nacionais: o Machado de Assis, do Instituto
Nacional do Livro; o Carmen Dolores Barbosa, de São Paulo; e o Paula Brito, do Rio de
Janeiro. A publicação faz com que Guimarães Rosa seja considerado uma figura
singular no panorama da literatura moderna, tornando-se um "caso" nacional. Ele
encabeça a lista tríplice, composta ainda por Clarice Lispector e João Cabral de Melo
Neto, como os melhores romancistas da terceira geração modernista brasileira.
Ainda que não publicasse nada até 1962,
o interesse e o respeito pela obra rosiana só aumentavam, em relação à crítica e ao
público. Unanimidade, o escritor recebe, em 1961, o Prêmio Machado de Assis, concedido
pela Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra. Ele começa a obter
reconhecimento no exterior.
Em janeiro de 1962, assume a chefia do
Serviço de Demarcação de Fronteiras, cargo que exerceria com especial empenho, tendo
tomado parte ativa em momentosos casos como os do Pico da Neblina (1965) e das Sete Quedas
(1966). Em 1969, em homenagem ao seu desempenho como diplomata, seu nome é dado ao pico
culminante (2.150 m) da Cordilheira Curupira, situado na fronteira Brasil/Venezuela. O
nome de Guimarães Rosa foi sugerido pelo Chanceler Mário Gibson Barbosa, como um
reconhecimento do Itamarati àquele que, durante vários anos, foi o chefe do Serviço de
Demarcação de Fronteiras da Chancelaria Brasileira.
Em 1958, no começo de junho, Guimarães
Rosa viaja para Brasília, e escreve para os pais:
Em começo de junho estive em
Brasília, pela segunda vez lá passei uns dias. O clima da nova capital é simplesmente
delicioso, tanto no inverno quanto no verão. E os trabalhos de construção se adiantam
num ritmo e entusiasmo inacreditáveis: parece coisa de russos ou de
norte-americanos"... "Mas eu acordava cada manhã para assistir ao nascer do sol
e ver um enorme tucano colorido, belíssimo, que vinha, pelo relógio, às 6 hs 15,
comer frutinhas, na copa da alta árvore pegada à casa, uma tucaneira, como por lá
dizem. As chegadas e saídas desse tucano foram uma das cenas mais bonitas e
inesquecíveis de minha vida.
A partir de 1958, o autor começa a
apresentar problemas de saúde e estes seriam, na verdade, o prenúncio do fim próximo,
tanto mais quanto, além da hipertensão arterial, o paciente reunia outros fatores de
risco cardiovascular como excesso de peso, vida sedentária e, particularmente, o
tabagismo. Era um tabagista contumaz e embora afirme ter abandonado o hábito, em carta
dirigida ao amigo Paulo Dantas em dezembro de 1957, na foto tirada em 1966, quando recebia
do governador Israel Pinheiro a Medalha da Inconfidência, aparece com um cigarro na mão
esquerda. A propósito, na referida carta, o escritor chega mesmo a admitir,
explicitamente, sua dependência da nicotina:
... também estive mesmo doente, com
apertos de alergia nas vias respiratórias; daí, tive de deixar de fumar (coisa
tenebrosa!) e, até hoje (cabo de 34 dias!), a falta de fumar me bota vazio, vago, incapaz
de escrever cartas, só no inerte letargo árido dessas fases de desintoxicação. Oh
coisa feroz. Enfim, hoje, por causa do Natal chegando e de mais mil-e-tantos motivos, aqui
estou eu, heróico e pujante, desafiando a fome-e-sede tabágica das pobrezinhas das
células cerebrais. Não repare.
É importante frisar também que,
coincidindo com os distúrbios cardiovasculares que se evidenciaram a partir de 1958,
Guimarães Rosa parece ter acrescentado a suas leituras espirituais publicações e textos
relativos à Ciência Cristã (Christian Science), religião cristã criada nos
Estados Unidos em 1866 por Mrs. Mary Baker Eddy e que afirma a primazia do espírito sobre
a matéria "... the allness of Spirit and the nothingness of matter",
a qual habilita compreender a nulidade do pecado, dos sentimentos negativos em geral, da
doença e da morte, diante da totalidade do Espírito.
Em 1962, é lançado Primeiras
Estórias, livro que reúne 21 contos pequenos. Nos textos, as pesquisas formais
características do autor, uma extrema delicadeza e o que a crítica considera
"atordoante poesia".
Em maio de 1963, Guimarães Rosa
candidata-se pela segunda vez à Academia Brasileira de Letras (a primeira fora em 1957,
quando obtivera apenas 10 votos), na vaga deixada por João Neves da Fontoura. A eleição
dá-se a 8 de agosto e desta vez é eleito por unanimidade. Mas não é marcada a data da
posse, adiada sine die, somente acontecendo quatro anos depois, no dia 16 de
novembro de 1967.
Em janeiro de 1965, participa do
Congresso de Escritores Latino-Americanos, em Gênova. Como resultado do congresso ficou
constituída a Primeira Sociedade de Escritores Latino-Americanos, da qual o próprio
Guimarães Rosa e o guatemalteco Miguel Angel Asturias (que em 1967 receberia o Prêmio
Nobel de Literatura) foram eleitos vice-presidentes.
Em abril de 1967, Guimarães Rosa
vai ao México na qualidade de representante do Brasil no I Congresso Latino-Americano de
Escritores, no qual atua como vice-presidente. Na volta é convidado a fazer parte,
juntamente com Jorge Amado e Antônio Olinto, do júri do II Concurso Nacional de Romance
Walmap que, pelo valor material do prêmio, é o mais importante do país.
No meio do ano, publica seu último
livro, também uma coletânea de contos, Tutaméia. Nova efervescência no meio
literário, novo êxito de público. Tutaméia, obra aparentemente hermética,
divide a crítica. Uns vêem o livro como "a bomba atômica da literatura
brasileira"; outros consideram que em suas páginas encontra-se a "chave
estilística da obra de Guimarães Rosa, um resumo didático de sua criação".
Três dias antes da morte o
autor decidiu, depois de quatro anos de adiamento, assumir a cadeira na Academia
Brasileira de Letras. Os quatro anos de adiamento eram reflexo do medo que sentia da
emoção que o momento lhe causaria. Ainda que risse do pressentimento, afirmou no
discurso de posse: "...a gente morre é para provar que viveu."
O escritor faz seu discurso de posse na
Academia Brasileira de Letras com a voz embargada. Parece pressentir que algo de mal
lhe aconteceria. Com efeito, três dias após a posse, em 19 de novembro de 1967, ele
morreria subitamente em seu apartamento em Copacabana, sozinho (a esposa fora à missa),
mal tendo tempo de chamar por socorro.
Em 1967, João Guimarães Rosa
seria indicado para o prêmio Nobel de Literatura. A indicação, iniciativa dos seus
editores alemães, franceses e italianos, foi barrada pela morte do escritor. A obra do
brasileiro havia alcançado esferas talvez até hoje desconhecidas. Quando morreu tinha 59
anos. Tinha-se dedicado à medicina, à diplomacia, e, fundamentalmente às suas crenças,
descritas em sua obra literária. Fenômeno da literatura brasileira, Rosa começou
a publicar aos 38 anos. O autor, com seus experimentos lingüísticos, sua técnica,
seu mundo ficcional, renovou o romance brasileiro, concedendo-lhe caminhos até então
inéditos. Sua obra se impôs não apenas no Brasil, mas alcançou o mundo.
BIBLIOGRAFIA:
- Magma (1936), poemas. Não
chegou a publicá-los.
- Sagarana (1946), contos e
novelas regionalistas. Livro de estréia.
- Com o vaqueiro Mariano (1947)
- Corpo de Baile (1956),
novelas. (Atualmente publicado em três partes:
- Manuelzão e Miguilim,
- No Urubuquaquá, no Pinhém e
- Noites do sertão.)
- Grande Sertão: Veredas (1956),
romance.
- Primeiras estórias (1962),
contos.
- Tutaméia:Terceiras estórias
(1967), contos.
- Estas estórias (1969),
contos. Obra póstuma.
- Ave, palavra (1970)
diversos. Obra póstuma.
Colaborações em jornais e
revistas:
- Colaborou no suplemento "Letras e Artes" de A Manhã (1953-54), em
O Globo (1961) e na revista Pulso (1965-66), divulgando contos e poemas.
Bibliografia sobre o Autor:
Bosi, Alfredo (org.). O
conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 1994.
Faraco, C.E. & Moura, F.M. Língua
e literatura.. São Paulo: Ática, 1996. v.3.
Holzemayr, Rosenfield Kathrin. Grande
Sertão: Veredas. São Paulo: Ática, 1996. (Roteiro de Leitura).
Macedo, Tânia. Guimarãres
Rosa. São Paulo: Ática, 1996. (Ponto por Ponto).
Perez, Renard. Em
Memória de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968.
Rosa, Vilma Guimarães. Relembramentos,
Guimarães Rosa, meu pai. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.
Santo, Wendel. A construção do
romance em Guimarães Rosa. São Paulo: Ática, 1996.
Sperber, Suzi Frankl. Guimarães
Rosa: signo e sentimento. São Paulo: Ática, 1996. (Ensaio).
Zilberman, R. A Leitura e o ensino da
literatura. São Paulo: Contexto, 1989.
Acervo:
- Os arquivos do autor, abrangendo o
período de 1908 a 1971, com aproximadamente 12.000 documentos, foram adquiridos pelo
Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo (USP).
Homenagem ao Autor:
Museu Guimarães Rosa
Av. Padre João, 744
Cordisburgo - MG - Brasil
Fone: (0 XX 31) 715-1378
Agendar visitas: 3ª a dom., das 8h40min às 17h.
Versões:
1961/1967 - Publicação de
"Buriti" ("Corpo de Baile", 1ª parte), "Les Nuits du
Sertão" ("Corpo de Baile", 2ª parte), "Primeiras Estórias",
pela Édition du Seuil; "Diadorim", pela Éditions Albin Michel, Paris -
França.
Adaptações:
1969 - Publicação do livro "A João Guimarães Rosa" - (Gráficos
Brunner), ensaio fotográfico de Maureen Bisilliat, com trechos de "Grande Sertão:
Veredas". Curta de 09 minutos - Filmoteca da ECA / USP, direção de Roberto Santos -
São Paulo (SP).
1975 - Adaptação dos contos "Corpo Fechado" (do livro "Sagarana"),
direção de Lima Duarte, e "Sorôco, Sua Mãe, Sua Filha" (do livro
"Primeiras Estórias"), direção de Kiko Jaess, para o programa Teatro 2, da TV
Cultura - São Paulo (SP)
1975 - Adaptação do conto "Sarapalha" (do livro "Sagarana"),
direção de Roberto Santos, para Caso Especial, da Rede Globo - Rio de Janeiro (RJ).
1984 - Adaptação de "Noites do Sertão", direção de Carlos Alberto Prates
Corrêa - Rio de Janeiro (RJ).
1985 - Adaptação de "Grande Sertão: Veredas" para minissérie da Rede Globo,
direção de Walter Avancini - Rio de Janeiro (RJ).
1994 - Rio de Janeiro RJ - Adaptação para o teatro de "Grande Sertão:
Veredas", direção de Regina Bertola, no Centro Cultural Banco do Brasil
1994 - Filme "A Terceira Margem do Rio", direção e roteiro de Nelson Pereira
dos Santos, baseado em cinco contos do livro "Primeiras Estórias": "A
Terceira Margem do Rio", "A Menina de Lá", "Os Irmãos Dagobé",
"Seqüência" e "Fatalidade" - Rio de Janeiro (RJ).
Discografia:
"Rio Abaixo"
Intérprete: Paulo Freire e outros.
Disco: "Rio Abaixo - Viola Brasileira" (www.paulofreire.com.br).
"Rosas pra João"
Interprete: Renato Motha e Patrícia Lobato.
CD com 13 canções inspiradas pela obra do biografado.
(www.renatomotha.com.br)
"Um chamado João"
"João era fabulista?
fabuloso?
fábula?
Sertão místico disparando
no exílio da linguagem comum?
Projetava na gravatinha
a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
para disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?
Tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
Vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?
Era um teatro
e todos os artistas
no mesmo papel,
ciranda multívoca?
João era tudo?
tudo escondido, florindo
como flor é flor, mesmo não semeada?
Mapa com acidentes
deslizando para fora, falando?
Guardava rios no bolso,
cada qual com a cor de suas águas?
sem misturar, sem conflitar?
E de cada gota redigia nome,
curva, fim,
e no destinado geral
seu fado era saber
para contar sem desnudar
o que não deve ser desnudado
e por isso se veste de véus novos?
Mágico sem apetrechos,
civilmente mágico, apelador
e precipites prodígios acudindo
a chamado geral?
Embaixador do reino
que há por trás dos reinos,
dos poderes, das
supostas fórmulas
de abracadabra, sésamo?
Reino cercado
não de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?
Por que João sorria
se lhe perguntavam
que mistério é esse?
E propondo desenhos figurava
menos a resposta que
outra questão ao perguntante?
Tinha parte com... (não sei
o nome) ou ele mesmo era
a parte de gente
servindo de ponte
entre o sub e o sobre
que se arcabuzeiam
de antes do princípio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?
Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
de se pegar."
Carlos Drummond de Andrade - 22/11/1967 - Versiprosa |
Dados extraídos de livros do e sobre o autor e páginas da Internet.
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