Adélia Prado
Com licença poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

"Uma das mais remotas experiências poéticas que me ocorre é a de uma composição
escolar no 3º ano primário, que eu terminava assim: "Olhai os lírios do campo. Nem
Salomão, com toda sua glória, se vestiu como um deles...".
A professora tinha lido este evangelho na hora do catecismo e fiquei atingida na minha
alma pela sua beleza. Na primeira oportunidade aproveitei a sentença na composição que
foi muito aplaudida, para minha felicidade suplementar. Repetia em casa composições,
poesias, era escolhida para recitá-las nos auditórios, coisa que durou até me formar
professora primária. Tinha bons ouvintes em casa. Aplaudiam a filha que tinha
"muito jeito pra essas coisas". Na adolescência fiz muitos sonetos à Augusto
dos Anjos, dando um tom missionário, moralista, com plena aceitação do furor católico
que me rodeava. A palavra era poderosa, podia fazer com ela o que eu quisesse."
Adélia Luzia Prado Freitas nasceu em Divinópolis,
Minas Gerais, no dia 13 de dezembro de 1935, filha do ferroviário João do Prado
Filho e de Ana Clotilde Corrêa. Leva uma vidinha pacata naquela cidade do interior:
inicia seus estudos no Grupo Escolar Padre Matias Lobato e mora na rua Ceará.
No ano de 1950 falece sua mãe. Tal acontecimento faz com que a autora escreva
seus primeiros versos. Nessa época conclui o curso ginasial no Ginásio Nossa
Senhora do Sagrado Coração, naquela cidade.
No ano seguinte inicia o curso de Magistério na Escola Normal Mário Casassanta, que
conclui em 1953. Começa a lecionar no Ginásio
Estadual Luiz de Mello Viana Sobrinho em 1955.
Em 1958 casa-se, em Divinópolis, com José Assunção de Freitas, funcionário do Banco
do Brasil S.A. Dessa união nasceriam cinco filhos: Eugênio (em 1959), Rubem (1961),
Sarah (1962), Jordano (1963) e Ana Beatriz (1966).
Antes do nascimento da última filha, a escritora e o marido iniciam o curso de
Filosofia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis.
Em 1972 morre seu pai e, em 1973, forma-se em Filosofia. Nessa ocasião envia carta e
originais de seus novos poemas ao poeta e crítico literário Affonso Romano de Sant'Anna,
que os submete à apreciação de Carlos Drummond de Andrade.
"Moça feita, li Drummond a primeira vez em prosa. Muitos anos mais tarde, Guimarães
Rosa, Clarisse. Esta é a minha turma, pensei. Gostam do que eu
gosto. Minha felicidade foi imensa.Continuava a escrever, mas enfadara-me do meu
próprio tom, haurido de fontes que não a minha. Até que um dia, propriamente após a
morte do meu pai, começo a escrever torrencialmente e percebo uma fala minha, diversa da
dos autores que amava. É isto, é a minha fala."
Em 1975, Drummond sugere a Pedro Paulo de Sena Madureira, da Editora Imago, que
publique o livro de Adélia, cujos poemas lhe pareciam
"fenomenais". O poeta envia os originais ao editor daquele que viria a ser Bagagem. No
dia 09 de outubro, Drummond publica uma crônica no Jornal do Brasil chamando a
atenção para o trabalho ainda inédito da escritora.
"Bagagem, meu primeiro livro, foi feito num entusiasmo de fundação
e descoberta nesta felicidade. Emoções para mim inseparáveis da criação, ainda que
nascidas, muitas vezes, do sofrimento. Descobri ainda que a experiência poética é
sempre religiosa, quer nasça do impacto da leitura de um texto sagrado, de um olhar
amoroso sobre você, ou de observar formigas trabalhando."
O livro é lançado no Rio, em 1976, com a presença de Antônio Houaiss, Raquel
Jardim, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Juscelino Kubitscheck, Affonso
Romano de Sant'Anna, Nélida Piñon e Alphonsus de Guimaraens Filho, entre outros.
O ano de 1978 marca o lançamento de O coração disparado que é agraciado com o
Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro.
Estréia em prosa no ano seguinte, com Soltem os cachorros. Com o sucesso de
sua carreira de escritora vê-se obrigada a abandonar o magistério, após 24 anos de
trabalho. Nesse período ensinou no Instituto Nossa Senhora do Sagrado Coração,
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis, Fundação Geraldo Corrêa
Hospital São João de Deus, Escola Estadual são Vicente e Escola Estadual Matias
Cyprien, lecionando Educação Religiosa, Moral e Cívica, Filosofia da Educação,
Relações Humanas e Introdução à Filosofia. Sua peça, O Clarão,um auto
de natal escrito em parceria com Lázaro Barreto, é encenada em Divinópolis.
"O transe poético é o experimento de uma realidade anterior a você. Ela te observa
e te ama. Isto é sagrado. É de Deus. É seu próprio olhar pondo nas coisas
uma claridade inefável. Tentar dizê-la é o labor do poeta."
Em 1980, dirige o grupo teatral amador Cara e Coragem na montagem de O Auto
da Compadecida, de Ariano Suassuna. No ano seguinte, ainda sob sua direção, o
grupo encenaria A Invasão, de Dias Gomes. Publica Cacos para um vitral. Lucy
Ann Carter apresenta, no Departament of Comparative Literature, da Princeton University, o
primeiro de uma série de estudos universitários sobre a obra de Adélia Prado.
Em 1981 lança Terra de Santa Cruz.
De 1983 a 1988 exerce as funções de Chefe da Divisão Cultural da Secretaria
Municipal de Educação e da Cultura de Divinópolis, a convite do prefeito Aristides
Salgado dos Santos.
Os componentes da banda é publicado em 1984.
Participa, em 1985, em Portugal, de um programa de intercâmbio cultural entre autores
brasileiros e portugueses, e em Havana, Cuba, do II Encontro de Intelectuais pela
Soberania dos Povos de Nossa América.
Fernanda Montenegro estréia, no Teatro Delfim - Rio de Janeiro, em 1987, o espetáculo Dona
Doida: um interlúdio, baseado em textos de livros da autora. A montagem, sob a
direção de Naum Alves de Souza, fez grande sucesso, tendo sido apresentada em diversos
estados brasileiros e, também, nos EUA, Itália e Portugal.
Apresenta-se, em 1988, em Nova York, na Semana Brasileira de Poesia, evento promovido pelo
Comitê Internacional pela Poesia. É publicado A faca no peito.
Participa, em Berlim, Alemanha, do Línea Colorada, um encontro entre escritores
latino-americanos e alemães.
Em 1991 é publicada sua Poesia Reunida.
Volta, em 1993, à Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Divinópolis,
integrando a equipe de orientação pedagógica na gestão da secretária Teresinha Costa
Rabelo.
Em 1994, após anos de silêncio poético, sem nenhuma palavra, nenhum verso, ressurge Adélia
Prado com o livro O homem da mão seca. Conta a autora que o livro
foi iniciado em 1987, mas, depois de concluir o primeiro capítulo, foi acometida de uma
crise de depressão, que a bloquearia literariamente por longo tempo. Disse que vê "a
aridez como uma experiência necessária" e que "essa temporada no
deserto" lhe fez bem. Nesse período, segundo afirmou, foi levada a procurar
ajuda de um psiquiatra.
"O que se passou? Uma desolação, você quer, mas não pode. Contudo, a poesia
é maior que a poeta, e quando ela vem, se você não a recebe, este segundo inferno é
maior que o primeiro, o da aridez."
Deus é personagem principal em sua obra. Ele está em tudo. Não apenas Ele,
mas a fé católica, a reza, a lida cristã.
"Tenho confissão de fé católica. Minha experiência de fé carrega e inclui esta
marca. Qual a importância da religião? Dá sentido à minha vida, costura minha
experiência, me dá horizonte. Acredito que personagens são álter egos, está neles a
digital do autor. Mas, enquanto literatura, devem ser todos melhores que o criador para
que o livro se justifique a ponto de ser lido pelo seu autor como um livro de outro.
Autobiografias das boas são excelentes ficções."
Estréia, em 1996, no Teatro Sesi Minas, em Belo Horizonte, a peça Duas horas da
tarde no Brasil, texto adaptado da obra da autora por Kalluh Araújo e pela filha de Adélia,
Ana Beatriz Prado.
São lançados Manuscritos de Felipa e Oráculos de maio. Participa, em
maio, da série "O escritor por ele mesmo", no ISM-São Paulo. Em Belo
Horizonte é apresentado, sob a direção de Rui Moreira, O sempre amor, espetáculo
de dança de Teresa Ricco baseado em poemas da escritora.
Adélia costuma dizer que o cotidiano é a própria condição da literatura.
Morando na pequena Divinópolis, cidade com aproximadamente 200.000 habitantes, estão em
sua prosa e em sua poesia temas recorrentes da vida de província, a moça que arruma a
cozinha, a missa, um certo cheiro do mato, vizinhos, a gente de lá.
"Alguns personagens de poemas são vazados de pessoas da minha cidade, mas espero
estejam transvazados no poema, nimbados de realidade. É pretensioso? Mas a poesia
não é a revelação do real? Eu só tenho o cotidiano e meu sentimento dele.
Não sei de alguém que tenha mais. O cotidiano em Divinópolis é igual ao de Hong-Kong,
só que vivido em português."
Em 2000, estréia o monólogo Dona da casa, em São Paulo, adaptação de
José Rubens Siqueira para Manuscritos de Felipa. A direção é de Georgette Fadel
e Élida Marques interpreta Felipa.
Em 2001, apresenta no Sesi Rio de Janeiro
e em outras cidades, sarau onde declama poesias de seu livro Oráculos de Maio
acompanhada por um quarteto de cordas.
OBRAS:
Individuais
POESIA:
- Bagagem, Imago - 1976
- O coração disparado, Nova Fronteira - 1978
- Terra de Santa Cruz, Nova Fronteira - 1981
- O pelicano, Rio de Janeiro - 1987
- A faca no peito, Rocco - 1988
- Oráculos de maio, Siciliano - 1999
- A duração do dia, Record - 2010
PROSA:
- Solte os cachorros, Nova Fronteira - 1979
- Cacos para um vitral, Nova Fronteira - 1980
- Os componentes da banda, Nova Fronteira - 1984
- O homem da mão seca, Siciliano - 1994
- Manuscritos de Felipa, Siciliano - 1999
- Filandras, Record - 2001
- Quero minha mãe - Record - 2005
- Quando eu era pequena - 2006.
ANTOLOGIAS:
Mulheres & Mulheres, Nova Fronteira - 1978
Palavra de Mulher, Fontana - 1979
Contos Mineiros, Ática - 1984
Poesia Reunida, Siciliano - 1991 (Bagagem, O Coração Disparado, Terra de Santa Cruz, O
pelicano e A faca no peito).
Antologia da poesia brasileira, Embaixada do Brasil em Pequim - 1994.
Prosa Reunida, Siciliano - 1999
BALÉ
- A Imagem Refletida - Balé do Teatro Castro Alves - Salvador - Bahia - Direção
Artística de Antônio Carlos Cardoso. Poema escrito por Adélia Prado especialmente para
a composição homônima de Gil Jardim.
Vem de antes do sol
A luz que em tua pupila me desenha.
Aceito amar-me assim
Refletida no olhar com que me vês.
Ó ventura beijar-te,
espelho que premido não estilhaça
e mais brilha porque chora
e choro de amor radia.
(Divinópolis, 1998).
Em parceria
A lapinha de Jesus (com Lázaro Barreto) - Vozes - 1969
Caminhos de solidariedade (com Lya Luft, Marcos Mendonça, et al.) - Gente-
2001.
Traduções
Para o inglês
- Adélia Prado: thirteen poems. Tradução de Ellen Watson. Suplemento do The
American Poetry Review, jan/fev 1984.
- The headlong heart (Poesias de Terra de Santa Cruz, O coração disparado e
Bagagem). Tradução de Ellen Watson, New York, 1988, Livingston University Press.
- The alphabet in the park (O alfabeto no parque). Tradução de Ellen Watson,
Middletown, Wesleyan University Press, 1990.
Para o espanhol:
- El corazón disparado (O coração disparado). Tradução de Cláudia Schwartez
e Fernando Roy, Buenos Aires, Leviantan, 1994.
- Bagaje. Tradução de José Francisco Navarro Huamán. México, Universidade
Ibero-Americana no México.
Para o italiano:
- Poesie. Antologia em italiano, precedida de estudo do tradutor Goffredo Feretto.
Publicada pela Fratelli Frilli Editori, Gênova.
Participação em antologias
- Assis Brasil (org.). A poesia mineira
no século XX. Imago, 1998.
- Hortas, Maria de Lurdes (org.). Palavra de mulher, Fontoura, 1989.
- "Sem enfeite nenhum". In Prado Adélia et alii. Contos mineiros. Ática,
1984.
O trabalho acima foi baseado em dados obtidos
na Internet (Jornal da Poesia, depoimento à Biblioteca Nacional, "As conversas com
Deus" -- Luciana Hidalgo - O Globo), BTCA - A.C.Cardoso, Cadernos de Literatura
Brasileira - Instituto Moreira Salles, entre outros, e em livros da autora.
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