O Coelho e o Leão
Augusto Monterroso
Um célebre Psicanalista encontrou-se certo dia no meio da selva, semiperdido.
Com a força que dão o instinto e o desejo de investigação, conseguiu facilmente subir
numa árvore altíssima, da qual pôde observar à vontade não apenas o lento pôr-do-sol
mas também a vida e os costumes de alguns animais, que comparou algumas vezes com os dos
humanos.
Ao cair da tarde viu aparecer, por um lado, o Coelho; por outro, o Leão.
A princípio não aconteceu nada digno de mencionar, mas pouco depois ambos os animais
sentiram as respectivas presenças e, quando toparam um com o outro, cada qual reagiu como
desde que o homem é homem.
O Leão estremeceu a selva com seus rugidos, sacudiu majestosamente a juba como era seu
costume e feriu o ar com suas garras enormes; por seu lado, o Coelho respirou com mais
rapidez, olhou um instante nos olhos do Leão, deu meia-volta e se afastou correndo.
De volta à cidade, o célebre Psicanalista publicou cum laude seu famoso tratado
em que demonstra que o Leão é o animal mais infantil e covarde da Selva, e o Coelho, o
mais valente e maduro: o Leão ruge e faz gestos e ameaça o universo movido pelo medo; o
Coelho percebe isso, conhece sua própria força, e se retira antes de perder a paciência
e acabar com aquele ser extravagante e fora de si, a quem ele compreende e que afinal não
lhe fez nada.
Augusto Monterroso nasceu em 1921, na Guatemala. Em 1944, mudou-se para o México
e, depois de muito observar a fauna daquele país e de outros, se convenceu de que
"os animais se parecem tanto com o homem que às vezes é impossível distingui-los
deste". Assim surgiu "A ovelha negra e outras fábulas", lançado
pela Editora Record - Rio de Janeiro, 1983, com tradução de Millôr Fernandes e
ilustrações de Jaguar, de onde extraímos o texto acima (pág. 09).
Dele disse o escritor russo que se criou nos Estados Unidos, Isaac Asimov: "Os
pequenos textos de A ovelha negra e outras fábulas, de Augusto Monterroso, aparentemente
inofensivos, mordem os que deles se aproximam sem a devida cautela e deixam cicatrizes.
Não por outro motivo são eficazes. Depois de ler "O macaco que quis ser escritor
satírico", jamais voltei a ser o mesmo."
Foi agraciado, em 2000, com o Prêmio Príncipe de Astúrias de Letras. Um dos
escritores latinos mais notáveis, Monterroso tem predileção por contos e
ensaios. "O dinossauro", uma de suas obras mais célebres, é considerado
o menor conto da literatura mundial: "Quando acordou, o dinossauro
ainda estava lá".
Augusto Monterroso faleceu em fevereiro/2003.
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